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terça-feira, 6 de maio de 2014

O que é Liberalismo?


Bandeira Gadsen, usada por patriotas americanos na guerra de independência, agora também utilizada por anarco-capitalistas, uma vertente radical do liberalismo clássico.

O liberalismo é um modo de entender a natureza humana e uma proposta destinada a possibilitar que todos alcancem o mais alto nível de prosperidade de acordo com seu potencial (em razão de seus valores, atividades e conhecimentos), com o maior grau de liberdade possível, em uma sociedade que reduza ao mínimo os inevitáveis conflitos sociais. Ao mesmo tempo, o liberalismo se apoia em dois aspectos vitais que dão forma a seu perfil: a tolerância e a confiança na força da razão.

Em quais ideias se baseia o liberalismo?

O liberalismo se baseia em quatro simples premissas básicas:
– Os liberais acreditam que o Estado foi criado para servir ao indivíduo, e não o contrário. Os liberais consideram o exercício da liberdade individual como algo intrinsecamente bom, como uma condição insubstituível para alcançar níveis ótimos de progresso. Dentre outras, a liberdade de possuir bens (o direito à propriedade privada) parece-lhes fundamental, já que sem ela o indivíduo se encontra permanentemente à mercê do Estado.
– Portanto, os liberais também acreditam na responsabilidade individual. Não pode haver liberdade sem responsabilidade. Os indivíduos são (ou deveriam ser) responsáveis por seus atos, tendo o dever de considerar as consequências de suas decisões e os direitos dos demais indivíduos.
– Justamente para regular os direitos e deveres do indivíduo em relação a terceiros, os liberais acreditam no Estado de direito. Isto é, creem em uma sociedade governada por leis neutras, que não favoreçam pessoas, partido ou grupo algum, e que evitem de modo enérgico os privilégios.
– Os liberais também acreditam que a sociedade deve controlar rigorosamente as atividades dos governos e o funcionamento das instituições do Estado.

O liberalismo é uma ideologia?

Não. Os liberais têm certas ideias – ratificadas pela experiência – sobre como e por que alguns povos alcançam maior grau de eficiência e desenvolvimento, ou a melhor harmonia social, mas a essência desse modo de encarar a política e a economia repousa no fato de não planejar de antemão a trajetória da sociedade, mas em liberar as forças criativas dos grupos e dos indivíduos para que estes decidam espontaneamente o curso da história. Os liberais não têm um plano que determine o destino da sociedade, e até lhes parece perigoso que outros tenham tais planos e se arroguem o direito de decidir o caminho que todos devemos seguir.

Quais são as ideias econômicas em que se baseiam os liberais?

A ideia mais marcante é a que defende o livre mercado, em lugar da planificação estatal. Já na década de 20 o filósofo liberal austríaco Ludwig von Mises demonstrou que, nas sociedades complexas, não seria possível planejar de modo centralizado o desenvolvimento, já que o cálculo econômico seria impossível. Mises afirmou com muita precisão (contrariando as correntes socialistas e populistas da época) que qualquer tentativa de fixar artificialmente a quantidade de bens e serviços a serem produzidos, assim como os preços correspondentes, conduziria ao desabastecimento e à pobreza.
Von Mises demonstrou que o mercado (a livre concorrência nas atividades econômicas por parte de milhões de pessoas que tomam constantemente milhões de decisões voltadas à satisfação de suas necessidades da melhor maneira possível) gerava uma ordem natural espontânea infinitamente mais harmoniosa e criadora de riquezas que a ordem artificial daqueles que pretendiam planificar e dirigir a atividades econômica. Obviamente, daí se depreende que os liberais, em linhas gerais, não acreditam em controle de preços e salários, nem em subsídios que privilegiam uma atividade em detrimento das demais.

O mercado, em sua livre concorrência, não conduziria à pobreza de uns em benefício de outros?

Absolutamente não. Quando as pessoas, atuando dentro das regras do jogo, buscam seu próprio bem-estar costumam beneficiar a coletividade. Outro grande filósofo liberal, Joseph Schumpeter, também austríaco, estabeleceu que não há estímulo mais positivo para a economia do que a atividade incessante dos empresários e industriais que seguem o impulso de suas próprias urgência psicológicas e emocionais. Os benefícios coletivos que derivam da ambição pessoal superam em muito o fato, também indubitável, de que surgem diferenças no grau de acúmulo de riquezas entre os diferentes membros de uma comunidade. Porém, quem melhor resumiu tal situação foi um dos líderes chineses da era pós-maoísta ao reconhecer, melancolicamente, que “ao impedir que uns poucos chineses andassem de Rolls Royce, condenamos centenas de milhões de pessoas a utilizar bicicletas para sempre”.

Se o papel do Estado não é planejar a economia nem construir uma sociedade igualitária, qual seria sua principal função de acordo com os liberais?

Essencialmente, a principal função do Estado deve ser a de manter a ordem e garantir que as leis sejam cumpridas. A igualdade que os liberais almejam não é a utopia de que todos obtenham os mesmos resultados, e sim a de que todos tenham as mesmas possibilidades de lutar para conseguir os melhores resultados. Nesse sentido, uma boa educação e uma boa saúde devem ser os pontos de partida para uma vida melhor.

Como deve ser o Estado idealizado pelos liberais?
Assim como os liberais têm suas próprias ideias sobre a economia, também possuem sua visão particular do Estado: os liberais são inequivocamente democratas, acreditando no governo eleito pela maioria dentro de parâmetros jurídicos que respeitem os direitos inalienáveis das minorias. Tal democracia, para que faça jus ao nome, deve ser multipartidária e organizar-se de acordo com o princípio da divisão de poderes.
Embora esta não seja uma condição indispensável, os liberais preferem o sistema parlamentar de governo porque este reflete melhor a diversidade da sociedade e é mais flexível no que se refere à possibilidade de mudanças de governo quando a opinião publica assim o exigir.
Por outro lado, o liberalismo contemporâneo tem gerado fecundas reflexões sobre como devem ser as constituições. Friedrich von Hayek, Prêmio Nobel de economia, produziu obras muito esclarecedoras a esse respeito. Mais recentemente, Ronald Coase, também agraciado com o Prêmio Nobel (1991), tratou em seus trabalhos da relação entre a lei, a propriedade intelectual e o desenvolvimento econômico.

Essa é a ideia sucinta de Estado liberal; mas como os liberais veem o governo, ou seja, aquele grupo de pessoas selecionadas para administrar o Estado?

Os liberais acreditam que o governo deve ser reduzido, porque a experiência lhes ensinou que as burocracias estatais tendem a crescer parasitariamente, ou passam a abusar dos poderes que lhes são conferidos e empregam mal os recursos da sociedade.
Porém, o fato de que o governo tenha tamanho reduzido não quer dizer que ele deva ser débil. Pelo contrário, deve ser forte para fazer cumprir a lei, manter a paz e a concórdia entre os cidadãos e proteger a nação de ameaças externas.

Um governo com essas características não estaria abdicando da função que lhe foi atribuída, de redistribuir as riquezas, eliminar as injustiças e de ser o motor da economia?

Os liberais consideram que, na prática, infelizmente os governos não costumam representar os interesses de toda a sociedade, e sim que se habituam a privilegiar seus eleitores ou determinados grupos de pressão. Os liberais, de certa forma, suspeitam das intenções da classe política e não têm muitas ilusões a respeito da eficiência dos governos. Por isso o liberalismo sempre se coloca na posição de crítico permanente das funções dos servidores públicos, razão pela qual vê com grande ceticismo essa função do governo de redistribuidor da renda, eliminador de injustiças ou “motor da economia”.
Outro grande pensador liberal, James Buchanan, Prêmio Nobel de economia e membro da escola da Public Choice (Escolha Pública), originária de sua cátedra na Universidade de Virgínia, EUA, desenvolveu esse tema mais profundamente. Resumindo suas ideias sobre o assunto, qualquer decisão do governo acarreta um custo perfeitamente quantificável, e os cidadãos têm o dever e o direito de exigir que os gastos públicos revertam em benefício da sociedade como um todo, e não dos interesses dos políticos.

Isso quer dizer que os liberais não atribuem ao governo a responsabilidade de lutar pela justiça social?

Os liberais preferem que essa responsabilidade repouse nos ombros da sociedade civil e se canalize por intermédio da iniciativa privada, e não por meio de governos perdulários e incompetentes, que não sofrem as consequências da frequente irresponsabilidade dos burocratas ou de políticos eleitos menos cuidadosos.
Finalmente, não há nenhuma razão especial que justifique que os governos se dediquem obrigatoriamente a tarefas como transportar pessoas pelas estradas, limpar as ruas ou vacinar contra o tifo. Tais atividades devem ser bem executadas e ao menor custo possível, mas seguramente esse tipo de trabalho é feito com muito mais eficiência pelo setor privado. Quando os liberais defendem a primazia da propriedade não o fazem por ambição, mas pela convicção de que é infinitamente melhor para os indivíduos e para o conjunto da sociedade.

Em inglês a palavra liberal tem aparentemente um significado diverso do que aqui se descreve. Em que se diferencia o liberalismo norte-americano daquilo que na Europa ou na América Latina se chama de liberalismo?

O idioma inglês se apropriou da palavra liberal do espanhol e lhe deu um significado diferente. Em linhas gerais, pode-se dizer que em matéria de economia o liberalismo europeu ou latino-americano é muito diferente do liberalismo norte-americano. Isto é, o liberal norte-americano costuma tirar a responsabilidade dos indivíduos e passá-la ao Estado. Daí o conceito de estado de bem-estar social ou “welfare state”, que redistribui por meio de pressões fiscais as riquezas geradas pela sociedade. Para os liberais latino-americanos e europeus, como se viu antes, esta não é uma função primordial do Estado, pois o que se consegue por essa via não é um maior grau de justiça social, mas apenas níveis geralmente insuportáveis de corrupção, ineficiência e mau uso de verbas públicas, o que acaba por empobrecer o conjunto da população.
De qualquer forma, o pensamento dos liberais europeus e latino-americanos coincide com o dos liberais norte-americanos em matéria jurídica e em certos temas sociais. Para os liberais norte-americanos, europeus e latino-americanos o respeito das garantias individuais e a defesa do constitucionalismo são conquistas irrenunciáveis da humanidade.

Qual a diferença entre o liberalismo e a social-democracia?

A social-democracia realça a busca de uma sociedade igualitária, e costuma identificar os interesses do Estado com os dos setores proletários ou assalariados. O liberalismo, por seu turno, não é classista e sobrepõe a seus objetivos e valores a busca da liberdade individual.

Em que se diferenciam os liberais dos democrata-cristãos?

Mesmo quando a democracia cristã moderna não é confessional, uma certa concepção transcendental dos seres humanos aparece entre suas premissas básicas. Os liberais, por sua vez, são totalmente laicos e não julgam as crenças religiosas das pessoas. Pode-se perfeitamente ser liberal e crente, liberal e agnóstico ou liberal e ateu. A religião simplesmente não pertence ao mundo das preocupações liberais (ao menos em nossos dias), embora seja essencial para o liberal respeitar profundamente esse aspecto da natureza humana. Por outro lado, os liberais não compartilham com a democracia cristã (ou, pelo menos, com algumas das tendências que se abrigam sob esse nome) um certo dirigismo econômico que normalmente é chamado de social-cristianismo.

 

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